quinta-feira, 10 de junho de 2010

do texto



na origem, o mundo foi inabarcável,
até que um número indefinido
de desregrados
fora embarcado
a fim de manter a liberdade serena dos que permanecem
e aceitam
con ter-se.

no convés, armas já munidas,
toneladas de carvão e papel
amontoadas como escravos.
tudo predisposição ao definhamento,
ao naufrágio,
ao autogenocídio,
à guilhotina surda,
ao excesso – mas o destino dos que afastamos
é
(um verso ausente e tudo).

ф, Ђ, ¤, Ŋ,
dentre outros velhos fetos crianças velhas ninfetas anjos
mulhereshomens
dispersos
outrora
e todavia agora
concentrados.

naquela noite escura
e clara,
todas as máquinas de moldar o que acontece
para aqueles que nunca estão onde acontece
e sentados se informam,
em posição:
os desregrados são transportados
direto de seus cárceres
recém-fundidos
para a nave.

temia-se uma rebelião, que não houve.
e nem os gritos, nem as injúrias ou as declarações indignadas
que as máquinas quiseram ter visto, para manipular, houveram.

o silêncio resiste a ser editado.
como derradeira declaração,
foi o susto sem fim
aos que não souberam
ir.

a notícia voltou-se contra si mesma,
e quando à nave empurravam da costa
o bafo quente daqueles que odeiam
e temem, à distância,
mais os ventos artificiais e próximos,
já os desregrados davam as costas,
contemplavam o mar e mesmo de terra usurpados,
eram felizes.

isentos da história
em que os quiseram instalar
como a um botão:
primeiros expulsos, origem deixando de ser;
eles dialogavam
entre si

Ђ       é sabido que o mar vigora
         mas sob obscuras
         condições.

¤        entre tanto, eu já gostava das grades, do ferro.

Ђ       morei em muitas casas que eram cárceres
         ainda que eu tivesse, e trago, todas as chaves.
         (aqui ele saca dos bolsos tantos chaveiros e cadeado
         e senhas enferrujadas, que fazem pender
         a embarcação)
         pensei que um dia eu fosse voltar
         a cada uma delas e lá estariam pai, mãe e irmãos,
         à idade da casa. assim eu teria infância e lembraria.
         mas hoje sei que não há regresso
         e me desfaço.

¤        suspeito que o mar pode ser
          uma casa
          muito grande.

ф se pôe nua
ou nu, divinamente
excitado ou excitada,
grita e canta a todos

ф       distanciemo-nos destas roupas de presos!
         lancemo-las à terra enquanto é tempo.
        
esqueçamos a serenidade!

somos totalmente outra coisa...

unida a leveza das roupas ao peso das chaves,
foi esta a última imagem que a máquina viu:
disparopedra ao que cerceia ou cobre ou trunca,
descobrimento muito mais
real ou
pleno.
e na nave fez-se a dança
como um dub de marvento e onda[i]
acompanhando o bordejar
donde embarcamos.







[i]        uma paisagem sonora por criar.

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